Tarde demais para começar?

Envelhecer é melhor do que morrer jovem, mas não é fácil. Já não bastava querer cortar os pulsos com as composições de Belchior, a gente ao longo desse processo vai passando a achar que não pode começar nada novo sem alcançar algum patamar de excelência, ou, que não há felicidade além-trinta.

Como se a vida fosse um filme adolescente americano que acaba com um bailinho de formatura, a gente passa a barreira dos 25 anos e acha que é tarde demais para mudanças. Tarde demais para mudar de carreira, aprender um idioma, começar uma nova faculdade.

Isso porque existe um culto ao prodígio, ao jovem bem-sucedido/a: tem de começar a tocar um instrumento aos 6 anos, entrar na faculdade aos 17 e ser rico/a aos 30. Eu mesma, vez ou outra, pego-me fuçando o currículo lattes alheio para ver com quantos anos alguém que admiro iniciou a carreira ou lançou o seu primeiro livro de impacto, para ver se com a minha idade ainda estou em tempo para me tornar competente em alguma coisa.

É bem verdade que o sonho de participar das Olimpíadas acabou. A esperança de se tornar uma profissional de tiro também é um tanto distante (última chance de ser uma velha atleta). Porém, nos últimos anos, conhecendo algumas pessoas, percebi que dá para começar um bocadão de coisas e ter um desempenho mais do que excelente.

Olhem só:

Conheci, na Inglaterra, por intermédio de um site de troca de idiomas, uma senhora britânica chamada Valerie, que aos 65 anos iniciava seus estudos na língua portuguesa. Ok, ela já sabia francês e espanhol, o que facilitava o seu aprendizado, mas com três semanas de convívio comigo, ela já tinha avançado um bocado. Meses depois, conversamos no Skype e ela já se comunicava confortavelmente no nosso idioma nativo. Aí, assim, pensa como você é mané, aos 20, 30, 40, 50 e poucos anos, achando tarde demais para começar seu cursinho de francês.

Na foto, Anna Mary Robertson.
Na foto, Anna Mary Robertson, artista que iniciou-se na pintura aos 80 anos.

Minha querida amiga, Mazé, formada em Psicologia e então servidora pública de um Tribunal, pertinho dos 30 resolveu cursar direito e, aos 38 anos, passou no concurso para promotora de justiça. Como já a conheci na nova condição, não consigo nem imaginá-la fazendo outra coisa. Alivie, então, essa angústia, achando que não pode começar outro curso ou que PRECISA passar naquele concursão NOW.

Conheci um filósofo incrível, desses que publica livros que a gente lê e encontra nas livrarias, que ingressou no curso de Filosofia aos 32 anos. Hoje, perto dos 60, está traduzindo uma grande obra do alemão para o português. E sabe com que idade ele começou a estudar alemão? Com 52 anos. Mais um dando um monte de pedaladas e petelecadas pesadas no cocuruto de vocês (da gente).

Sabe com quantos anos Roberto Marinho fundou a rede Globo? Com 60 anos. Pois é, ainda dá tempo de fundar sua própria emissora de TV. Substitua o monopólio, mas, por favor, sem apoios escusos e sem ideologia escrota. Estamos precisando!

SAO PAULO, BRAZIL - APRIL 25: View of monument of Tomie Ohtake on 23 de Maio Avenue on April 25, 2013 in Sao Paulo, Brazil. (Photo by Rosanna Rüttinger/LatinContent/Getty Images)
Monumento em homenagem à imigração japonesa, de Tomie Ohtake, na Av. 23 de maio, em São Paulo/SP. Foto: Rosanna Rüttinger/LatinContent/Getty Images.

A artista plástica Tomie Ohtake só começou a pintar aos 39 anos. Ela, que também ingressou no universo da escultura, tem diversas obras de peso espalhadas pela paisagem urbana de São Paulo.

Anna Mary Robertson, artista norte-americana, só começou a pintar aos 80 anos. Até então, ela trabalhava numa fazenda e vendia batatinhas-fritas.

Andrea Bocelli era advogado e apenas aos 34 anos começou a se dedicar à carreira de cantor.

Morgan Freeman passou longa parte de sua carreira fazendo pequenos papeis e seu primeiro grande sucesso só veio aos 52 anos, com o filme Conduzindo Miss Daisy. Até os 32 anos ele era mecânico da Força Aérea Americana. Nesse período, ele tinha a aspiração, que nunca se concretizou, de ser promovido a piloto. Ufa, Morgan! Ainda bem que você saiu dessa.

Do universo próximo e do universo das celebridades são outros milhares de exemplos. No final das contas, parece não importar muito quando alguém começou a fazer alguma coisa, mas o que ela foi no final da sua vida.

Sinta-se, então, reconfortado/a. Vai fundo no seu desejo de mudar! Começa mudando o visual, que você sempre quis e nunca teve coragem. Esse cabelo na cintura não está com nada. A não ser que você queira ser dançarina do Aviões do Forró. Nesse caso, esquece a tesoura, a gente apoia você nessa também.

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mariana-nobrega

Mariana é doutoranda em ciências criminais e mestra em ciências jurídicas. Pesquisa sobre direitos humanos, teorias feministas e criminologia. Também é servidora pública e mais uma advogada de araque neste país de direitoloides.

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1 comentários

  1. Depois desse post vou fazer o enem pra arqueologia! Quem sabe ainda não encontro uma coisa importante! Artigo massa mari!

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